Hospedagem pela COP 30 em Belém leva inquilinos a serem despejados por donos de imóveis
Capacidade limitada da rede para abrigar o evento abriu caminho para uma escalada nos preços de hospedagem, o que foi visto como uma oportunidade de lucro

A crise hoteleira em Belém não afeta apenas as delegações estrangeiras e demais participantes da COP30, a conferência do clima marcada para novembro na capital paraense. Nos últimos meses, moradores de imóveis alugados na cidade têm vivido um pesadelo ao serem despejados de seus lares. A capacidade limitada da rede para abrigar o evento abriu caminho para uma escalada nos preços de hospedagem, o que foi visto como uma oportunidade de lucro. O “efeito COP30” criou um movimento crescente de proprietários convertendo imóveis residenciais em locações para temporada.
A professora de inglês Ana Carolina, de 27 anos, inquilina de um apartamento na área central de Belém desde janeiro de 2020, ficou sabendo, no meio de uma viagem ao exterior, que teria que desocupar o imóvel em um mês. A notícia veio no fim de março, e o fato de estar fora do Brasil dificultou ainda mais a situação. Ana tentou negociar para estender a permanência até setembro, mas o locador manteve a exigência de saída apenas até o fim de maio:
— Comecei a me desesperar e procurar casa, mas estando longe a busca estava muito complicada. Tudo o que eu achava era no mínimo R$ 4 mil; ou R$ 2 mil, podendo ficar até antes da COP 30 acontecer. Ou seja, estamos sendo retirados dos nossos espaços por causa de um evento.
No prédio de Ana Carolina, outros apartamentos também passaram a ser anunciados nesse novo modelo de aluguel. Para ela, além do abalo emocional, a situação gerou prejuízos financeiros significativos: precisou vender o que tinha em casa muito rápido para entregar o imóvel, o que a levou a fechar negócio pela metade do preço.
Fim repentino de contrato
Sem conseguir uma nova moradia em Belém, a professora de inglês decidiu permanecer fora do país. A escolha foi diretamente influenciada pela dificuldade de encontrar um lugar acessível.
— Não consegui achar casa em Belém, porque os preços estão absurdos, equiparados a preços aqui na Europa. Por isso, não voltei, porque era a mesma coisa do que pagar um aluguel aqui, o que não faz sentido, porque a cidade não te dá conforto nem mobilidade.
A publicitária Juliana Braga teve apenas 14 dias de prazo para deixar o apartamento onde morava há anos. O cenário foi semelhante: aviso repentino, sem justificativa clara, enquanto outros imóveis do prédio também eram esvaziados.
Ela conseguiu mais tempo para a mudança ao reivindicar seus direitos como inquilina e conta que a locadora havia concordado com a renovação do contrato por mais um ano, mas voltou atrás após o início da alta nos aluguéis, sob a justificativa de que faria reformas no imóvel.
— Não foi só comigo que ela fez isso. Ela pediu o apartamento de outros dois inquilinos do prédio e também tentou comprar o apartamento de um terceiro inquilino. Ela queria reformar e mobiliar para poder alugar novamente — afirma Juliana, que vive em uma nova casa, segundo ela, inferior ao apartamento em que morava.
Diante de situações como essas, os governos municipal e estadual alegam não ter como intervir, já que os contratos de aluguel são acordos privados entre as partes. Em nota, a Prefeitura de Belém, por meio da Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), afirmou que o despejo só pode acontecer por decisão judicial, e que o contrário seria considerado crime. O governo do Pará, por sua vez, reforça que respeita a liberdade de negociação entre locadores e inquilinos.
Mesmo diante desse cenário, a Lei do Inquilinato prevê garantias aos inquilinos, como explica o advogado Gabriel Barreto. Quando há contrato com prazo determinado, o locador só pode retomar o imóvel em situações específicas, como uso próprio ou inadimplência.
— O inquilino tem o direito a permanecer até o fim do contrato — afirma.
Se o contrato terminou e o inquilino continua no imóvel, o locador pode solicitar a devolução, mas ainda assim deve respeitar o prazo legal de 30 dias para desocupação. No caso de Ana Carolina, que estava fora do país, Barreto diz que a ausência não autoriza o despejo arbitrário.
— Existe a possibilidade de intermediação por um advogado ou procurador — diz. — O direito de propriedade é garantido, mas ele deve ser exercido dentro dos limites legais e com respeito à dignidade do morador. Inquilinos não são obstáculos ao progresso da cidade, são parte dela. Por isso, é essencial que todos conheçam seus direitos e que, em tempos de euforia econômica, prevaleça a responsabilidade social sobre o oportunismo.
Troca é descartada
A reportagem de O Globo procurou o locador de Ana Carolina. Ele disse que não reconhece retomada de imóvel sem aviso prévio e que todos os seus contratos são anuais. Ele afirma que não pretende alugar imóveis durante a COP30. A locadora de Juliana também foi procurada, mas não foi localizada.
A despeito das queixas sobre a falta de hospedagem e cobrança extorsiva de preços pelos hotéis, além das críticas do Observatório do Clima — maior rede de ONGs da agenda climática do Brasil —, que apontou “negligência” dos governos federal e estadual do Pará na preparação da COP — o Palácio do Planalto resiste a levar a outra cidade parte da programação do evento. De acordo com interlocutores, o presidente Lula não abre mão da realização da COP em Belém.
Na semana passada, a possibilidade foi descartada publicamente pelo presidente da COP30, André Corrêa do Lago:
— Não há a menor dúvida (que será em Belém). Eu brinco que o único plano B é Belém, B de Belém. Vai ser uma COP absolutamente extraordinária. A cidade está fantasticamente adiantada e pronta para receber a COP.
No governo, as críticas do Observatório do Clima são vistas como alarmismo, embora se admita internamente que o problema da hospedagem é um dos principais gargalos. A ONG também afirmou que há risco de ser a COP “mais excludente da história”, com a redução de delegações por causa dos altos preços de hotéis e que há risco de um “vexame histórico” para o país.
Com duração de 12 dias, a COP terá todos os eventos governamentais concentrados na capital paraense, o que não impede que sociedade civil e ONGs organizem eventos paralelos em outras cidades. Fases preparatórias da conferência, antes do início oficial do evento, ocorrerão em outras cidades, o que também ocorreu em edições anteriores do evento.
A reclamação crescente de diversas delegações sobre as altas tarifas que vêm sendo cobradas pela rede hoteleira local, no entanto, tem irritado o presidente. Uma rede com mais de 250 ONGs do Sul Global afirmou que 80% de seus membros ainda não têm onde ficar em Belém, e que Brasil “parece não entender o que é acomodação acessível”. No início do mês, Lula enviou a Belém o ministro do Turismo, Celso Sabino, para discutir soluções. O presidente também demonstrou a outros ministros insatisfação com os preços praticados.
O governo vê pressão em delegações estrangeiras por preços mais baixos para hospedagens. O comando da COP, porém, tem interferência limitada sobre valores praticados pelos hotéis. Vinculada ao Ministério da Justiça, a Secretaria Nacional de Direitos do Consumidor (Senacon) notificou a rede hoteleira para buscar esclarecer possíveis práticas abusivas na precificação de leitos diante do aumento da demanda provocado pela conferência. O governo também tem cobrado do Procon local uma atuação mais incisiva de fiscalização. Mesmo assim, auxiliares de Lula veem efeito prático quase inócuo desses movimentos.
Em outra frente, o secretário extraordinário da COP30, Valter Correia da Silva, afirma que o Brasil avalia pedir o aumento de valores repassados pela Organização das Nações Unidas (ONU) para bancar a participação de delegações.
O plano de acomodação acordado entre a COP30 e a ONU prevê a disponibilização de 2,5 mil quartos individuais para delegações. Para delegações dos 73 países classificados pelas Nações Unidas como menos desenvolvimentos ou pequenos estados insulares será aplicada uma tarifa entre US$ 100 e US$ 200. Já para os demais países, são tarifas entre US$ 220 e US$ 600. Os valores foram estabelecidos pelas em referência aos praticados em COPs anteriores.
A reportagem completa é de O Globo e pode ser acessada online no link a seguir: