STF reage a Tarcísio e já tem maioria para barrar indulto ou anistia prometidos a Bolsonaro
Entendimento majoritário na Corte é o de que crimes contra a democracia seriam imperdoáveis de acordo com a Constituição

O Supremo Tribunal Federal (STF), em sua composição atual, já tem maioria para barrar a anistia que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, articula com o Centrão para beneficiar Jair Bolsonaro e livrá-lo da prisão.
A movimentação de Tarcísio, e a força com que o tema avançou nesta semana na Câmara, surpreenderam magistrados da Corte. Que já afirmam que a possibilidade de a anistia vingar é nula.
O argumento dos magistrados é o de que crimes contra o Estado Democrático de Direito, pelos quais o ex-presidente deve ser condenado, não podem ser perdoados, de acordo com a Constituição.
O entendimento majoritário no STF foi explicitado claramente por diversos ministros em 2023, no julgamento que derrubou o indulto dado por Bolsonaro ao então deputado federal Daniel Silveira.
“Já ali demos a vacina para o problema”, disse um magistrado à coluna.
Portanto, caso seja aprovada pelo Congresso depois do julgamento, como querem Tarcísio e o Centrão, ela deve ser barrada na mesma hora no STF, com o voto de pelo menos seis de seus 11 ministros.
O mesmo ocorreria com um indulto, que é o perdão concedido diretamente pelo presidente da República.
O caso de Daniel Silveira é emblemático e se transformou em precedente.
Em abril de 2022, ele foi condenado pelo STF a 8 anos e nove meses de prisão por incitação à abolição violenta do Estado Democrático de Direito e coação no curso do processo. Um dia depois, Bolsonaro concedeu o indulto ao parlamentar. Que foi derrubado pela Corte.
Ao votar, o ministro Dias Toffoli, por exemplo, afirmou que “o ponto nodal da controvérsia” não era Bolsonaro indultar um amigo, o que poderia ser imoral. Mas sim “o fato de que a benesse é concedida a pessoa que praticou crimes que atentam contra o estado democrático de direito”.
“Tenho muita dificuldade de enxergar, nesse contexto, a possibilidade de aplicação do perdão constitucional aos crimes contra a ordem constitucional e o estado democrático de direito”, afirmou o ministro.
Ele explicou que, embora esses crimes não constem expressamente no rol dos que não podem ser perdoados com indulto ou anistia (como tortura, tráfico de drogas, terrorismo e crimes hediondos), a Constituição deixaria isso implícito ao definir como inafiançáveis e imprescritíveis os crimes contra a ordem constitucional e o estado democrático.
“Nem mesmo o decurso do tempo não é capaz de apagar, de tornar inútil ou desnecessária a punição por esses crimes”, seguiu Toffoli.
“Nem tudo está escrito na Constituição. É óbvio que os valores intrínsecos, que inspiraram suas disposições expressas, encontram abrigo no texto constitucional e podem dele ser extraídos mediante interpretação, do que resulta que esses valores podem se traduzir em regras implícitas tão eficazes quanto as normas expressas”, seguiu.
Alexandre de Moraes, por sua vez, afirmou que “é uma limitação constitucional implícita a concessão de indulto contra crimes atentatórios ao Estado Democrático”. E questionou: “Seria possível o Supremo Tribunal Federal aceitar indulto coletivo para todos aqueles que eventualmente vierem a ser condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro, atentados contra a própria democracia, contra a própria Constituição? Obviamente que não, isso está implícito na Constituição Federal”.
O ministro Luiz Fux foi claro em seu voto: “Eu faço aqui uma análise também sob o ângulo político, porque eu entendo que crime contra o Estado Democrático de Direito é um crime político e impassível de anistia, porquanto o Estado Democrático de Direito é uma cláusula pétrea que nem mesmo o Congresso Nacional, por emenda, pode suprimir”.
O ministro Gilmar Mendes seguiu a mesma linha de raciocínio. Em seu voto, ele citou parecer do jurista Lenio Streck, para quem “um dispositivo legal ou constitucional [o indulto] que confere uma prerrogativa a um indivíduo em posição de poder [o presidente da República] traz limites que não estão necessariamente explícitos. Porque o próprio direito, enquanto fenômeno de limitação do arbítrio, estabelece esses limites”.
Entre eles estaria o de perdoar crimes que atentam contra a democracia.
Ao votar no mesmo processo, a ministra Cármen Lúcia não fez referência explícita aos crimes. Mas afirmou que “o Estado de Direito é uma construção de uma fortaleza contra o arbítrio e de nada valeria se a gente pudesse colocar nessa fortaleza um portão de papelão, porque então se poderia arrebentar o tempo todo com esse tipo de atitude”.