Pesquisadores afirmam que poeira do Saara ajuda Amazônia a repor minerais perdidos em queimadas
Especialistas explicam que poeira vinda do deserto africano repõe nutrientes essenciais e ajuda a manter a floresta amazônica produtiva após queimadas

A Amazônia recebeu poeira do deserto do Saara que percorreu mais de 5 mil quilômetros, transportando minerais essenciais como ferro e fósforo, nutrientes escassos nos solos da região e fundamentais para repor os perdidos durante as queimadas.
Pesquisadores ouvidos pela reportagem do G1 Amazonas afirmam que as partículas foram observadas na área de São Sebastião do Uatumã, no interior do Amazonas, e registradas pelo Observatório da Torre Alta da Amazônia (ATTO), que possui uma estação de pesquisa equipada com sensores que monitoram a composição do ar 24 horas por dia.
Entre janeiro e março de 2025, a torre de 325 metros registrou três episódios com partículas de poeira na atmosfera da floresta. Os especialistas envolvidos no estudo explicaram que essa poeira africana traz minerais como fósforo, potássio e cálcio, que ajudam a manter a produtividade da floresta amazônica, repor especialmente os minerais perdidos nas queimadas.
“Há pouco fósforo, por exemplo, aqui na região. E é essencial, o que limita o funcionamento da floresta. E uma certa quantidade de fósforo entra nesses eventos, do Saara ou das queimadas. Sempre traz um pouco de nutrição. Mas a quantidade é pequena, então funciona mais para manter”, relatou o coordenador da pesquisa e doutor em Ecologia Florestal Alberto Quesada.
O fenômeno foi registrado em três datas distintas neste ano, mas o pesquisador Rafael Valiati destacou que, embora possa afetar a qualidade do ar, a quantidade observada não causa impacto negativo à população local, diferente do que ocorre na Europa. Além disso, o fato de ter ocorrido três vezes em 2025 não indica uma intensificação do fenômeno.
“A chegada dos aerossóis com origem no Saara até a Amazônia depende de muitos fatores, desde a quantidade de poeira emitida lá no deserto, os padrões dos ventos predominantes, e a quantidade de precipitação. A Zona de Convergência Intertropical favorece o transporte do Saara para a Amazônia apenas no início do ano”, explicou Valiati.
Alberto Quesada também avalia que, embora na ciência tudo seja relativo, essa poeira pode indicar mudanças climáticas em curso desde o início da década.
“Essa evidência, no caso da poeira encontrada pela Torre ATTO, acho que é a primeira vez que vemos isso, indica uma realidade que estamos vendo. Às vezes, é difícil para a ciência dizer que isso já é resultado das mudanças climáticas”, disse o coordenador da pesquisa.
Os pesquisadores reforçam que as partículas não são prejudiciais à saúde respiratória da população amazonense.
“O ar é muito fino, não funciona com poluição atmosférica”, concluiu Quesada. Entenda o fenômeno:
A poeira viaja entre 2 km e 5 km de altitude, levada por ventos fortes e secos que atuam sobre o Saara.
Ela cruza o Atlântico quando a chamada Zona de Convergência Intertropical está mais ao sul — o que costuma ocorrer no verão do hemisfério sul.
O tempo de transporte das partículas depende da velocidade dos ventos, mas pode levar entre 7 e 14 dias.
No transporte intercontinental, a poeira do Saara é levada por correntes de ar na troposfera livre, geralmente entre 2 km e 5 km de altitude. Tempestades com ventos intensos no deserto suspendem as partículas até essas altitudes, de onde podem ser carregadas por milhares de quilômetros, conforme a circulação atmosférica e as condições meteorológicas.
“Existem correntes de ar muito altas que chamamos de correntes de jato, que geralmente são aproveitadas por aviões e carros para capturar ventos. Quando as partículas de poeira atingem o topo, são transportadas por longas distâncias. Isso é muito comum”, explica o pesquisador Quesada, sobre como a poeira chega até a Amazônia.
A torre identificou concentrações de partículas finas (PM2.5) que chegaram a 20 μg/m³ — cinco vezes mais do que a média da estação chuvosa, que costuma ser de 4 μg/m³. A presença da poeira foi registrada nas seguintes datas:
13 a 18 de janeiro
31 de janeiro a 3 de fevereiro
26 de fevereiro a 3 de março
Os cientistas ainda investigam os efeitos diretos do fenômeno, mas já sabem que ele influencia tanto a fertilidade do solo quanto a formação de nuvens.
Maior torre de pesquisa do mundo
A Torre ATTO (sigla em inglês para Torre Alta de Observação da Amazônia), com 325 metros de altura — o equivalente a um prédio de 80 andares —, foi construída para monitorar fenômenos atmosféricos e estudar a interação entre a floresta e a atmosfera.
O projeto, que custou cerca de 8,4 milhões de euros, foi financiado pelo Ministério Federal de Educação e Pesquisa da Alemanha, pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e pelo Governo do Amazonas.
“É mais alta que a Torre Eiffel, só para dar uma referência. Mas é super sólida, quase um prédio”, destacou o pesquisador Alberto Quesada.